Há um pôster de “Pulp
Fiction” na parede da minha sala. Assisti ao filme em VHS logo que foi lançado
por aqui, em 1994 se não me engano. Me lembro do impacto que causou na época. Com
a obra, seu diretor, Quentin Tarantino, cultuado em meios restritos, tornou-se
parte daquilo que ele mais amava: a cultura pop.
Logo fui atrás de “Cães
de Aluguel”, seu primeiro longa. Numa época em que não havia internet, eu buscava
informações sobre ele em jornais e revistas. Fiquei feliz ao saber que um filme
que eu adorava e que vivia passando na Band, “Amor à Queima Roupa”, com Patricia Arquette, fora escrito por ele. Depois de “Pulp” surgiu um novo roteiro,
“Um Drink no Inferno”, filmado por Robert Rodriguez com uma participação inesquecível
da Salma Hayek. Havia também um argumento, “Assassinos por Natureza”, com
roteiro e direção de Oliver Stone, na época um diretor muito mais relevante do
que hoje parece ser (Tarantino não aprovou o tratamento dado por Stone à sua
história). E, por fim, essa primeira fase incluía um episódio muito inteligente
e engraçado de “Grand Hotel”.
Todos esses filmes tinham
algo em comum: a narrativa inovadora e a violência estilizada, permeada por diálogos
absolutamente inesperados, com montagem esperta e inevitáveis referências pop. Depois
desse boom, Tarantino, que se revelou um grande diretor e resgatador de atores,
fez uma homenagem aos filmes de cineastas negros americanos do anos 70, “Jackie
Brown”, que eu demoraria anos para ver.
Então ele deu um tempo. O
que estaria preparando, eu pensava? Meu palpite de que preparava um cinema mais adulto e ambicioso foi frustrado quando apareceu Kill Bill. Como a minha
fase de ninjas já tinha passado, recebi o filme com alguma frieza, apesar dos méritos
de sempre: roteiro, tiradas, referências, direção de atores etc.
Quando surgiu “Bastardos
Inglórios”, sorri para Tarantino. Me lembro da frase final do personagem de
Brad Pitt: “Acho que esta é a minha obra-prima”. O uso que Tarantino fazia da
história, numa leitura original e vingadora, causava surpresa mais uma vez. E
ainda havia um filme anterior, “À Prova de Morte”, lançado por aqui assim que “Bastardos”
arrebatou o segundo Oscar de roteiro para o autor (o primeiro foi por “Pulp
Fiction”). O filme era muito bom, despretensioso e divertido.
O que viria depois? Em “Django
Livre”, um ex-escravo faz justiça contra os brancos exploradores numa releitura dos faroestes. Pouco antes de ser lançado, o filme já causava polêmica. O diretor Spike
Lee, também ele polêmico, disse que não o veria porque a obra desrespeitava a
história de seu povo. Logo vieram os defensores de Tarantino. Para eles, a abordagem,
assim como em “Bastardos”, é livre, uma leitura artística e descontraída da
história. E os críticos do “politicamente correto” correm para criticar os
críticos “óbvios” como Spike Lee, afinal, “Django” é apenas um filme.
Assisti “Django” no último fim de semana e senti exatamente o contrário. O filme é
politicamente correto, como era “Bastardos”. Em ambos os injustiçados vão à
forra e promovem uma matança. E é só isso. Depois de "Kill Bill" e dos "Inglórios", a repetição é cansativa. Apesar daquelas características autorais já citadas, o
roteiro já não surpreendente tanto e os diálogos são meio frouxos, mesmo com algumas
cenas engraçadas. Quanto à abordagem da história, quase posso dar razão a Lee.
Para os que veem patrulha na postura do cineasta negro, imagine se Tarantino,
que diz que ninguém tem poder de parar o seu trabalho, resolvesse ser, de
fato, politicamente incorreto e fizesse piada com um grupo de nazistas que
escalpa judeus durante a Segunda Guerra ou com um senhor de escravos que,
depois de explodir uma senzala com dinamite, triunfasse colocando óculos
escuros e cavalgasse com a namorada branca em direção ao horizonte. Seriam apenas filmes sem implicações morais?
O politicamente correto de
Tarantino expõe seu vazio. A violência gratuita de seus filmes, alvo de crítica
de cineastas mais consistentes como Michael Haneke (que briga com ele pelo Oscar de roteiro este ano), comprova a estagnação de
sua fórmula. Em uma entrevista publicada na Folha há algumas semanas, Tarantino
falava que um cineasta deve arriscar e não ter medo do fracasso. Como devem ser
os verdadeiros artistas. O problema é que seu próximo filme anunciado é a parte
3 de Kill Bill...
Espero um dia voltar a
ser surpreendido por Tarantino, mas o drama é que não tenho mais dezesseis anos
como em 1994. Como devo me mudar nos próximos dias, vou aproveitar para tirar o
quadro da parede. Apesar do olhar dominador da Uma Thurman.
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