Gosto de doce de leite. Em pasta, de preferência. Passei boa
parte da infância chupando sachês de doce de leite. Eram
doces de bar. Em barra, competiam com a paçoca, mas o pastoso estava em um
patamar à altura do brigadeiro.
Minha primeira namorada era mineira. Na primeira vez que fui a sua casa em Poços de Caldas dei um pequeno vexame diante de uma mesa repleta de pães de queijo e, claro, de doce de leite.
Esta
semana estive em uma fazenda em Patos de Minas. A pauta era sobre café, mas fomos recebidos com a mesa farta típica do estado: queijo
(sempre!), bolo de milho, goiabada cascão, quibe, esfirra,
sucos variados e por aí afora, mas o que eu vi primeiro foi uma tigela com doce
de leite.
Comi um pouco de tudo e depois um pouco mais, mas não toquei
no doce. Quando todos se levantavam, enfiei minha colher na tigela e peguei o
meu bocado. Não tinha a ver com discrição. Era um arremate, eu não gosto de
misturar doce de leite com nada. No pão, por exemplo, não gosto. Tampouco com queijo. E ainda acho estranhas
essas “compotas” com coco ou ameixa. Doce de leite pra
mim é algo puro, com um fim em si mesmo.
Expliquei isso à Sônia, a assessora de imprensa que nos recebeu.
Então ela disse que eu devia ser um daqueles que colocam o leite condensado na
panela de pressão. Realmente eu seria um desses não fosse um acidente que houve
lá em casa uma vez.
Uma casquinha entupiu o pino e a panela explodiu.
Eu estava brincando na rua e, como todo mundo do bairro, corri para
casa para ver o que tinha acontecido. Quando entrei notei que havia feijão por tudo quanto era lado. O tampo do fogão estava afundado e, no teto, havia
uma marca feita pela força do pino. Numa ponta minha mãe, vinda da sala, olhava atônita para o
meu pai, que até o momento da explosão bebia cerveja à uma mesa do outro lado. Com feijão na cabeça, ele dizia:
- Você quer me matar, mulher? Quer me matar?!
Por sorte ninguém se feriu. Até hoje ele enfia latas de
leite condensado na panela de pressão, mas eu nunca aprendi a usar uma. Admito
o medo e acho que isso me salvou de alguma maneira. Pude fazer outras coisas na
vida além desse doce de leite improvisado.
Sempre que menciono minha paixão pelos doces, alguém tem uma
sugestão. Maísa, uma das fontes da pauta do café, também ouviu minha história e
disse que eu preciso comer o doce da Universidade de Viçosa. Parece que eles
têm uma produção por lá e já estou pensando em um jeito de prová-lo.
Uma vez o André Gaúcho me disse que o melhor doce de leite
do mundo era um do Rio Grande do Sul. Gaúchos são orgulhosos de sua terra, achei que ele estivesse exagerando. Então um dia, há alguns anos, em viagem com a família para Florianópolis, descobri que lá
eles também tinham esse doce. Compramos um pote e eu comi de um modo que eu
julguei ser comedido. Meu pai também provou e deu seu veredito: o doce era bom. Até que outro dia a Flávia, nossa anfitriã daquela vez, escreveu para minha mãe perguntando: “E o Vinicius? Continua gostando de doce
de leite?” Devo ter exagerado, admito.
Volta e meia alguém menciona os doces de leite do Uruguai e
da Argentina como se fossem o suprassumo. Pode ser, ainda vou provar. Já tentei encontrar algo parecido no estrangeiro. Na França vi um produto semelhante, mas não era a mesma coisa. Parece que doce é típico da América Latina.
De qualquer maneira gosto de imaginar os doces de leite que
podem estar sendo produzidos por aí. Penso que em algum lugar da Suíça haverá um preparo sublime, à altura de suas montanhas. Ou que na
Índia exista uma pasta
preparada há milênios e que ajudou a humanidade a chegar até aqui.
Seja como for, nenhum jamais se igualará ao da minha prima Tere, lá de Capão Bonito. Menino, eu ia para o sítio
e, enquanto brincava com meus primos, via alguém passar com uns baldes vindos diretamente do curral. O resultado era um doce peculiar até na cor, clara como o próprio leite.
Há mais de vinte anos não vou àquela fazenda. Mas um dia
ainda volto só para retomar aquele sabor
inesquecível. A prima Tere fez o doce de leite da minha vida.