16 fevereiro 2013

E então os cachorros começaram a uivar


O meteoro que explodiu sobre a cidade de Chelyabinsk, na Rússia, causou ferimentos a mais de mil pessoas, segundo os jornais. A maioria provocada por vidraças que se estilhaçaram. Por sorte, ninguém morreu. Fenômenos naturais como esse acontecem diariamente, dizem os cientistas, a diferença é que os corpos celestes acabam caindo nos oceanos ou em lugares não habitados e, normalmente, têm proporções muito menores do que o siberiano, com suas sete mil toneladas.

A queda foi marcada por duas coincidências, a primeira é que a data estava reservada para a passagem de um asteroide muito próximo, em proporções astronômicas, à órbita da Terra. A segunda é que o objeto caiu na mesma região do planeta atingida pelo último grande meteoro, em 1908.

Na Rússia, por motivos de segurança e corrupção, muitos carros possuem câmeras instaladas no para-brisa, o que garantiu registros da cena absolutamente incomum. Imagino a excitação que o fenômeno causou, para o bem e para o mal.

É como se, a cada cem, duzentos anos, a providência, a natureza ou mesmo o acaso, não importa que nome tenha, nos lembrasse de que somos parte da mesma matéria que compõe o pó das estrelas, que viemos do mesmo lugar.

Em 1998 ou 99, não me lembro, eu e meus amigos vimos, do quintal da república em que morávamos em Bauru, uma chuva de meteoros. É quase impossível reproduzir as sensações que tivemos diante daquelas dezenas de estrelas cadentes velocíssimas que riscavam o céu escuro e profundo, maiores, muito maiores do que o que estamos acostumados a ver daqui, com os pés no chão.

Disse um russo em depoimento a uma rádio de Moscou reproduzido hoje pela Follha: “Estava sentado trabalhando e a janela estava levantada. Em segundos foi como se a cidade inteira tivesse sido iluminada. Olhei para fora e vi uma grande mancha brilhante no céu que durou dois, três minutos e então os cachorros começaram a uivar."

Os cães de Chelyabinsk uivaram exatamente como faziam seus ancestrais há milênios. Quando lobos e cães se juntavam a homens estarrecidos diante de bolas de fogo que cruzavam o céu e, por alguns segundos, iluminavam noites que pareciam eternas.

15 fevereiro 2013

Tarantino mais do mesmo



Há um pôster de “Pulp Fiction” na parede da minha sala. Assisti ao filme em VHS logo que foi lançado por aqui, em 1994 se não me engano. Me lembro do impacto que causou na época. Com a obra, seu diretor, Quentin Tarantino, cultuado em meios restritos, tornou-se parte daquilo que ele mais amava: a cultura pop.

Logo fui atrás de “Cães de Aluguel”, seu primeiro longa. Numa época em que não havia internet, eu buscava informações sobre ele em jornais e revistas. Fiquei feliz ao saber que um filme que eu adorava e que vivia passando na Band, “Amor à Queima Roupa”, com Patricia Arquette, fora escrito por ele. Depois de “Pulp” surgiu um novo roteiro, “Um Drink no Inferno”, filmado por Robert Rodriguez com uma participação inesquecível da Salma Hayek. Havia também um argumento, “Assassinos por Natureza”, com roteiro e direção de Oliver Stone, na época um diretor muito mais relevante do que hoje parece ser (Tarantino não aprovou o tratamento dado por Stone à sua história). E, por fim, essa primeira fase incluía um episódio muito inteligente e engraçado de “Grand Hotel”.

Todos esses filmes tinham algo em comum: a narrativa inovadora e a violência estilizada, permeada por diálogos absolutamente inesperados, com montagem esperta e inevitáveis referências pop. Depois desse boom, Tarantino, que se revelou um grande diretor e resgatador de atores, fez uma homenagem aos filmes de cineastas negros americanos do anos 70, “Jackie Brown”, que eu demoraria anos para ver.

Então ele deu um tempo. O que estaria preparando, eu pensava? Meu palpite de que preparava um cinema mais adulto e ambicioso foi frustrado quando apareceu Kill Bill. Como a minha fase de ninjas já tinha passado, recebi o filme com alguma frieza, apesar dos méritos de sempre: roteiro, tiradas, referências, direção de atores etc.

Quando surgiu “Bastardos Inglórios”, sorri para Tarantino. Me lembro da frase final do personagem de Brad Pitt: “Acho que esta é a minha obra-prima”. O uso que Tarantino fazia da história, numa leitura original e vingadora, causava surpresa mais uma vez. E ainda havia um filme anterior, “À Prova de Morte”, lançado por aqui assim que “Bastardos” arrebatou o segundo Oscar de roteiro para o autor (o primeiro foi por “Pulp Fiction”). O filme era muito bom, despretensioso e divertido.

O que viria depois? Em “Django Livre”, um ex-escravo faz justiça contra os brancos exploradores numa releitura dos faroestes. Pouco antes de ser lançado, o filme já causava polêmica. O diretor Spike Lee, também ele polêmico, disse que não o veria porque a obra desrespeitava a história de seu povo. Logo vieram os defensores de Tarantino. Para eles, a abordagem, assim como em “Bastardos”, é livre, uma leitura artística e descontraída da história. E os críticos do “politicamente correto” correm para criticar os críticos “óbvios” como Spike Lee, afinal, “Django” é apenas um filme.

AssistiDjango no último fim de semana e senti exatamente o contrário. O filme é politicamente correto, como era “Bastardos”. Em ambos os injustiçados vão à forra e promovem uma matança. E é só isso. Depois de "Kill Bill" e dos "Inglórios", a repetição é cansativa. Apesar daquelas características autorais já citadas, o roteiro já não surpreendente tanto e os diálogos são meio frouxos, mesmo com algumas cenas engraçadas. Quanto à abordagem da história, quase posso dar razão a Lee. Para os que veem patrulha na postura do cineasta negro, imagine se Tarantino, que diz que ninguém tem poder de parar o seu trabalho, resolvesse ser, de fato, politicamente incorreto e fizesse piada com um grupo de nazistas que escalpa judeus durante a Segunda Guerra ou com um senhor de escravos que, depois de explodir uma senzala com dinamite, triunfasse colocando óculos escuros e cavalgasse com a namorada branca em direção ao horizonte. Seriam apenas filmes sem implicações morais?

O politicamente correto de Tarantino expõe seu vazio. A violência gratuita de seus filmes, alvo de crítica de cineastas mais consistentes como Michael Haneke (que briga com ele pelo Oscar de roteiro este ano), comprova a estagnação de sua fórmula. Em uma entrevista publicada na Folha há algumas semanas, Tarantino falava que um cineasta deve arriscar e não ter medo do fracasso. Como devem ser os verdadeiros artistas. O problema é que seu próximo filme anunciado é a parte 3 de Kill Bill...

Espero um dia voltar a ser surpreendido por Tarantino, mas o drama é que não tenho mais dezesseis anos como em 1994. Como devo me mudar nos próximos dias, vou aproveitar para tirar o quadro da parede. Apesar do olhar dominador da Uma Thurman.

'Pilatos', de Carlos Heitor Cony, simboliza o Brasil de Delfim Netto

Pilatos , romance de Carlos Heitor Cony publicado em 1974, pode ser lido como um retrato do Brasil de Delfim Netto, um dos artífices da dita...