Estou
lendo um diário escrito por José Agrippino de Paula em 1966, ano em que ele
trabalhava na peça As Nações Unidas e no romance PanAmérica, seu livro mais
importante, chamado por ele de “epopeia”. É muito interessante ver a origem do
material, principalmente do romance, desde os esboços de ideias e de textos até
as sugestões de títulos para os capítulos, descartadas na edição final (o
livro publicado tem vinte capítulos não numerados).
Quando Agrippino
começou a pensar nessa obra, ela também não tinha um título definido, como é
comum a diversos autores. Na dissertação de mestrado em que analiso a
ficção de José Agrippino (download aqui), mostro que, no contrato de edição firmado com a
Editora Tridente, do Rio de Janeiro, o livro que resultaria em PanAmérica tinha
um título provisório: “Divindades eróticas: uma epopeia”, o que revela a indecisão do autor no momento em que o livro tinha uma garantia
de que seria publicado. O diário, anterior a esse momento, traz outras sugestões,
que espero revelar quando publicar uma edição de meus trabalhos sobre Agrippino.
O caderno ainda mostra obras de referência para o autor naquele período. Uma das coisas que me
deixam contente é saber que, durante o processo de escrita, Agrippino não somente lia como transcrevia trechos de Ulisses, de James Joyce, na tradução de Antonio Houaiss
publicada naquele ano. No meu estudo, faço um paralelo entre a utilização da
mitologia nessa obra seminal de Joyce e na epopeia de José Agrippino que, aliás, completa 50 anos em 2017.
É de se lamentar que a
efeméride passe quase despercebida, ainda mais a uma obra que continua falando
eloquentemente (ou agressivamente, como é mais característico do estilo de
Agrippino nesse livro) sobre a realidade latino-americana.
Um trecho do diário:
“Fragmento em que eu
estou no hospício ou no sanatório. Transformar em Penitenciária. E os
escoteiros em policiais.
[Em destaque:] “XX // Ativar as situações potencialmente agressivas // XX.
“Narrar no fantástico as organizações sociais. Exército, hospitais, DOPS, TV, Cinema, jornais. Substituir todo símbolo vago por um concreto, presente e social no sentido latino-americano”.