09 maio 2012

Kafka no futebol



Tenho acompanhado com algum distanciamento, mas com muito interesse, o chamado “caso Oscar”. Para quem não sabe, trata-se do jogador atualmente no Internacional, mas envolvido em um imbróglio judicial com o São Paulo, clube que o revelou. Depois de passar 50 dias sem jogar, ele voltou a campo no último domingo e marcou um gol que poderia ter sido a sua redenção. Poderia.

O problema é que ontem a Confederação Brasileira de Futebol reafirmou o vínculo do jogador com o clube paulista, o que, teoricamente, torna inviável sua atuação pelo clube gaúcho. E assim tem sido desde que o jogador perdeu, em segunda instância, a ação que movia contra o São Paulo, em março desde ano. Formalmente, o que teria movido o meia a processar o ex-clube seriam atrasos no pagamento de salários.

Acontece, porém, que, ao que tudo indica, teria havido uma pressão do empresário do jogador para que ele deixasse o tricolor visando uma transferência para um clube europeu. Não deu certo e ele foi jogar no colorado. Há quem diga que houve até incentivo do São Paulo no caso, temendo que Oscar pudesse reforçar um de seus grandes rivais da capital.

Desde então Oscar ganhou em primeira instância, perdeu na segunda, foi impedido de jogar porque a sentença judicial restabelece o vínculo com o São Paulo, tentou em vão emplacar recursos, obteve um habeas corpus no Tribunal Superior do Trabalho, voltou a atuar pelo Inter no último domingo e marcou o gol do empate diante do Caxias, mas foi novamente impedido de jogar porque o habeas corpus nada diz sobre o fim do contrato com o São Paulo.

E Oscar, digo, o indivíduo Oscar? A trajetória do jogador de apenas vinte anos é a parábola kafkiana da alienação do homem comum diante de forças maiores e que ele desconhece. Tudo isso aplicado, é claro, ao mundo do futebol. Menino, como tantos outros, foi jogar num grande clube. O São Paulo, por sua vez, sempre resguardou das investidas de agentes externos um futuro que poderia ser brilhante. O plano, entretanto, não funcionou e Oscar saiu por influência do empresário. Este, não conseguindo a negociação esperada, firmou um contrato para que Oscar continuasse atuando no Brasil.

O São Paulo, maquiavélico e demagogo, pressiona de um lado. O Inter, dissimulado e fingindo-se de sonso desde o começo, pressiona de outro. O suposto responsável por toda essa situação, o empresário, não aparece, e ninguém vai ouvir a tenebrosa figura. E Oscar, sempre compelido por forças externas e sem uma determinação pessoal clara, vive dias de obscuridade.

O caso expõe de maneira exemplar as fissuras do futebol que, a rigor, são as rachaduras da sociedade. O destino de um homem simples, alienado, diante de instituições inatingíveis, confrontado com todo um aparato que envolve confederações riquíssimas e poderosas, grandes clubes que exploram seus patrimônios (estrutura, torcidas e troféus) em benefício do caso e de seus interesses, agentes externos (empresários e leis malfeitas que os beneficiam), justiça lenta e inábil e uma mídia no mais das vezes superficial e tendenciosa.

Assim, marionete de um pequeno aparelho formado por empresários, assessores e advogados, Oscar vai se distanciando da redenção e da glória, daquele futuro de brilho que ainda parece estar a ele reservado. E o pior é que, na fragilidade do menino que somente agora começa a vida adulta, parece não haver espaço para a gana de se afirmar com o caso. Corre o risco de fenecer, como um Joseph K. do futebol. Desaparecer. Como um cão.

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