22 dezembro 2011

Ainda não

Conheci o Carlos Saraiva por intermédio da minha amiga Tutti Madazzio. É um cara bacana que editou um vídeo sobre o José Serra na época em que o tucano concorria à presidência pela segunda vez. A última coisa que soube era que ele estava montando um sebo virtual.

Uma vez, contei a eles o meu périplo para conseguir uns documentos na FAU-USP para a minha biografia de José Agrippino de Paula. Ou teria sido o périplo para conseguir documentos no CPOR-SP? (Notem como o inferno da burocracia e do obscurantismo começa já nas siglas.) Talvez os dois. O fato é que o Carlos se divertiu com o meu relato aflito. No fim, ele mudou de expressão e me disse muito seriamente que tudo aquilo era excelente material para ser desenvolvido como ficção.

Me perdoem pela sugestão óbvia, mas imaginem o que um Kafka faria com a realidade brasileira. E por que apenas Kafka? Por que não outros, muitos outros que viveram antes e depois? Por que não eu mesmo, como sugeriu o Carlos? O fato é que olhando o Brasil de fora, nem que seja durante pouco tempo, é impressionante notar como não temos uma tradição consistente de literatura fantástica. Porque o que acontece por aí em termos de serviço ou liberdade de expressão é coisa extraordinária e material para centenas de volumes.

Ontem mesmo li que o Palmeiras e até o goleiro Marcos estão falando em solicitar a interdição jurídica de uma biografia que está para sair sobre o jogador. Se o fizerem, serão respaldados por um artigo do Código Civil que ainda não chegou a uma conclusão sobre o limite entre o direito à privacidade e o direito à informação. Bom, se os nossos políticos, que juraram a Constituição, ainda não chegaram à conclusões sobre direitos básicos, o que esperar da biografia de um boleiro...

Meu problema agora é simples, ao contrário daquela vez. Busco a simples remarcação de uma passagem aérea. Já tive problemas semelhantes e até piores com empresas dóceis como a Vivo, o Bradesco, a NET e por aí vai. Agora é a TAM. Estou há exatamente três horas e meia no telefone ouvindo uma gravação enquanto espero para ser atendido. Não se preocupem, vou poupá-los de detalhes. O fato é que no Brasil se permite esse tipo de abuso. E não usei o novamente o advérbio ainda de propósito. Porque acho que essa é uma das nossas características fundantes, o abuso de poder. Direta ou indiretamente o poder sempre cometeu seus excessos. A tolerância do poder com instituições como as bancárias, por exemplo, se explica na medida em que essas instituições significam ou podem significar mais poder para quem governa. E aí temos o círculo vicioso e o material vasto.

E onde estão nossos escritores para transformar esse estado de coisas em literatura? Sim, porque não se deve esperar da política. A transformação pode vir pela via da arte. O Carlos Saraiva, ao me falar seriamente, sabia muito bem disso.

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