19 outubro 2011
A Espada Selvagem de Conan e o mistério de Toledo
Nunca gostei muito de viajar. Admiro pessoas que viveram toda a sua vida num raio de cem, duzentos quilômetros do lugar onde nasceram. Quando saio, gosto de me demorar e tentar, sempre que possível, viver no novo destino. Nem que seja por algumas horas. Admito e reconheço a contradição, afinal até ontem eu estava na Espanha, mas a vida é cheia de contradições e o homem, um ser contraditório. Estou apenas dizendo o óbvio.
Na semana passada, me hospedei por alguns dias na casa de uma boa amiga em Barcelona. Ela vive com a família num lugar extremamente aprazível, diante de um dos principais pontos turísticos da cidade. Da sacada, de onde quase se pode tocar o monumento, eu via levas de turistas com ameaçadoras máquinas fotográficas. Durante uma das contemplações não resisti e disse a ela, precisamente uma turismóloga, que não entendo o fenômeno do turismo. A mim me parece que para o turista o mais importante é o registro, não o proveito. A lembrança que ele pode ter, seja por meio de uma imagem ou de um pequeno objeto que possa adornar sua estante, me parece mais importante do que o que ele pode viver e conhecer. Sei que estou sendo simplista. Também tenho minha máquina, com a qual aliás fiz todas as fotos destas páginas, e costumo comprar minhas lembranças. Por outro lado fico feliz quando entro num museu ou numa igreja que não permite fotografias. Notadamente esses lugares são os mais vazios de turistas.
Escrevo estas coisas pensando especialmente na viagem que fiz segunda-feira de Madrid a Toledo, a antiga capital. Em Barcelona, descobri que Jean-Claude Carrière finalmente tinha escrito o livro que eu sempre quis ler: as memórias de seu relacionamento com a Espanha e com Luis Buñuel. Com a ajuda de Carrière, Buñuel já tinha feito as suas em “Meu último suspiro”. Agora chegou a vez do roteirista escrever as dele com o auxílio, é claro, de Buñuel. O cineasta espanhol tinha uma longa e verdadeira relação com Toledo, e Carrière ocupa um capítulo para falar das visitas que os dois faziam à cidade. Durante anos eles tinham por hábito visitar pontos costumeiros seguindo uma rotina que estabeleceram e que gostavam de seguir.
A Toledo que eu procurava não era aquela, mas, mesmo com toda a conservação física e espiritual, foi impossível não notar como a cidade descrita por Carrière não existe mais. Como toda cidade europeia com algum apelo histórico ou cultural, Toledo adquiriu ares de mercado a céu aberto com suas visitações super taxadas, seus ônibus turísticos de dois andares e suas lojinhas de lembranças, todas padronizadas e sem alma: I Love Toledo ou Yo Amo Toledo, tanto faz. Entre os muitos ferreiros e ourives da cidade existe o hábito de se fazer espadas medievais e pequenas miniaturas de cavaleiros templários, reis e fidalgos d’Espanha, de Dom Quixote e Sancho Pança, por exemplo. Até aí se compreende, e não raro são peças muito bonitas. Mas aqueles samurais e as espadas de ninja dizem muito sobre o visitante da cidade e sobre o mundo do turismo. Além disso, há também “réplicas” da excalibur e da espada selvagem de Conan, o Bárbaro...
Claro que nem tudo é Hollywood e Toledo é um dos lugares mais encantadores que se pode conhecer. A muralha, as construções árabes e cristãs, as mesquitas, as sinagogas e as igrejas, tudo se insinuando sem se revelar totalmente em ruas labirínticas que remontam a tempos muito anteriores a Cristo. Caminhei muito e me perdi com prazer e surpresa. Era preciso muito mais que um dia e a cidade milenar sabe disso. Felizmente, o mistério de Toledo vai além daqueles objetos sem memória. Ele perdura há centenas de anos vagando por aquelas ruas estreitas de pedra.
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