14 agosto 2011

Lando


Conheci muito pouco o meu avô paterno, o suficiente para me lembrar bem dele. Morreu quando eu tinha quatro anos e ainda posso vê-lo sentado no chão de um corredor para brincar com os netos.

Orlando de Arruda foi o primeiro filho homem de um total de sete irmãos. Tem uma irmã mais velha que ajudou a mãe a criar os mais novos depois que o pai morreu. Os demais iam trabalhar. Assim ele se tornou metalúrgico, trabalhando nas oficinas da Estrada de Ferro Sorocabana. A função era ajustador de motores. Conhecia o trabalho e suas ferramentas ao ponto de tornar-se chefe de seção. Como muitos colegas, aproveitava os restos da fundição para tornear instrumentos e utensílios domésticos. Alguns desses objetos estão até hoje na casa dos meus pais em Sorocaba, como um descaroçador de azeitonas e um cinzeiro de pouco mais de meio metro, exatamente da altura do braço da poltrona de couro onde se sentava para fumar.

Vestia camisas e caças de linho costuradas pela mulher. No cinto, um estojo para os óculos de aros grossos. Cabelo aparado à máquina e um bigodinho dos anos 40. Durante as refeições sentava-se numa das pontas da mesa numa cadeira vermelha que não podia ser trocada. Depois do almoço, um cigarro e a sesta. Na cama, gostava de cantar para os netos.

Montar em burro brabo é a minha paixão
Não encontro macho que jogue eu no chão
Pra jogar um laço eu também sou do bom
Em qualquer rodeio eu sou campeão
Ai! Como é bom viver 

Também me lembro dos passeios pelo bairro no Além-linha. Havia uma casa com uma amoreira onde ele gostava de apanhar os frutos para mim e minha irmã. Também me deu um Porsche de brinquedo e um burrinho que, movido a corda, coiceava brabo como na canção do Tonico e Tinoco. Ainda ganhei uma pá de pedreiro bem pequena e um martelo bola cujo cabo um dia eu quebrei mas substitui logo em seguida.

Gosto dessas ferramentas e do seu significado. Gosto das ferramentas e dos pequenos utensílios que ele fazia ou trocava com amigos na Sorocabana, como o número 741 que até hoje indica a casa construída com o auxílio do irmão Rubens na rua Mascarenhas Camelo.

Ele já estava aposentado quando meu pai foi para a faculdade. Para pagar os estudos do filho comprou uma banca de jornais onde trabalhou por mais algum tempo.

Um dia, eu não entendi porque tive de dormir na casa de um vizinho. Meus pais me deixaram lá sem explicação, pelo menos eu não me lembro. Dias depois compreendi que meu avô tinha morrido. Ele sofreu durante algum tempo com um câncer no intestino até que finalmente se foi com apenas 62 anos.

Deixou, além da mulher, dois filhos e três netos, que depois viriam a ser quatro no total. Por causa da sua história e das histórias que ele repassou para o meu pai, é impossível eu pensar em trens e ferrovias sem me lembrar. Hoje eu caminhei um pouco à margem da linha aqui em Londres. No passeio público, entre o fundo das casas e as linhas de trem, floresciam pés de amora.

Um comentário:

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