O elogio ao gênio de Guimarães Rosa não poderia ser maior vindo de crítico tão ferino. Para que seja compreendido, é bom que se tenha em mente a famigerada sentença rodrigueana que assevera que “toda unanimidade é burra”.
Como que para confirmá-la, Nelson Rodrigues se alegra ao encontrar detratores ou mesmo restrições à obra de Rosa. Poucos dias depois da morte do romancista, outro amigo em comum entre eles, o também escritor Otto Lara Resende, escreve a Nelson de Portugal. O dramaturgo faz suspense para si mesmo antes de ler. A opinião de Otto era muito importante para ele. Nelson já havia confessado sua insatisfação quando o amigo, em um programa de tevê, chamou João Guimarães Rosa de genial. Depois de ler a correspondência, ele se entristece. “Em toda a sua carta, o Guimarães Rosa é apenas o grande homem. O ficcionista está solene, hierático, como um mordomo de filme”.
Em outra crônica, Nelson explicaria melhor o motivo da alegria diante das restrições: “Eis o meu pânico: - que aqui se instalasse, em torno de sua figura e do seu nome, a unanimidade. Meu Deus, o formidável artista não podia virar um Pacheco. Nem teríamos o direito de erigir-lhe uma estátua do ‘Brasil chorando o gênio’. Era preciso que algum pardal desgarrado sujasse, liricamente, a sua testa de bronze”.
Mais adiante, continua:
“Ninguém fez, que eu saiba, o grande elogio de Guimarães Rosa, ou seja, o elogio de sua torre de marfim. Vou usar uma expressão de minhas crônicas esportivas: - a ‘torre de marfim’, em Guimarães Rosa, é o óbvio ululante. Foi por vezes acaciano? Ai daquele que não teve o seu momento de Acácio. E confesso: - tenho medo, não dos que negam Guimarães Rosa, mas dos que o admiram. Há um certo tipo de admiração que compromete ao infinito”.
Como se vê, a admiração do dramaturgo só cresceu com a morte de Rosa. É tentador imaginar que belas crônicas o esperado encontro não teria rendido. Nelson Rodrigues gostava de revelar detalhes de conversas e encontros com outros autores em suas confissões. E nesse caso, então, que trataria de autores tão diversos temática, psicológica e até mesmo intelectualmente?
Enquanto Guimarães Rosa se esmerava em falar de conflitos metafísicos vividos por personagens muitas vezes elevados, habitantes do sertão mítico que ele criou, Nelson Rodrigues colocava em cena personagens suburbanos vencidos por toda a sorte de comportamentos sórdidos.
A diferença também era nítida em relação à postura de cada um diante da escrita. Enquanto Rosa desaconselhava aos escritores dedicarem-se ao jornalismo, Nelson, além de dramaturgo, era um prolífero cronista e autor de inúmeros folhetins, gênero por si só considerado menor. Enquanto Rosa era um intelectual refinado e um poliglota, Nelson era tido como um intuitivo, até mesmo ignorante. E fazia questão de alimentar a fama. Em uma de suas tiradas mais deslumbrantes, nega possuir uma vasta cultura literária ao dizer ter lido apenas Dostoiévski. O interlocutor, um intelectual que leu centenas de livros "mais áridos que três desertos", pergunta: "- Só Dostoiévski?". E Nelson Responde: "- Só Dostoiévski".
A fatalidade, no entanto, impediu que Nelson Rodrigues e Guimarães Rosa se conhecessem. No dia seguinte ao encontro com Nelson em que Hélio Pelegrino ficou de apresentá-los, Rosa morreu.
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