03 junho 2013

O livro sobre nada

O inglês John Gledson, estudioso da obra de Machado de Assis, cita na introdução de “Papeis Avulsos” que o francês Gustave Flaubert manifestou em uma de suas centenas de cartas o desejo de escrever "um livro sobre nada". 

Aí está a sabedoria do grande escritor. Escrever um livro sobre nada deve ser a pretensão de todos os autores. A meu ver, aliás, é precisamente esse desejo que diferencia a grande literatura das demais. 

Evidentemente escrever sobre nada é uma utopia, uma "aspiração paradoxal", como observou Gledson. A palavra, sabemos, é carregada de sentidos. Mas escritores sérios buscarão, sempre, o livro sobre nada como projeto inalcançável.

Flaubertianos célebres como James Joyce chegaram perto. É conhecida a boutade do irlandês como resposta a uma mulher que lhe perguntou sobre o que era um de seus livros, não sei se “Ulisses” ou “Finnegans Wake”: “o livro não é sobre alguma coisa, minha senhora, o livro é a coisa”. 

Vargas Llosa, outro devoto do francês, mesmo tendo recebido distinções como o Nobel de literatura, diz que sua grande obra, a que deve ficar, ainda está por vir. Do que ele está falando se não do nada?

O próprio Flaubert, aliás, dizia que, se pudesse, recolheria todas as edições disponíveis em seu tempo de “Madame Bovary”, a obra que o consagrou. E não se falaria mais nisso. 

É bom que se diga que escrever sobre o nada é muito diferente de nada escrever. A aspiração de Flaubert é apenas a evidência de que, para o artista, o processo em si é mais importante do que o resultado.

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